quinta-feira, 30 de outubro de 2008

arte, olhar e esquilos




Gosto da idéia do colecionador, do artista que enquanto praticante da colagem torna-se um colecionador de pequenos (ou grandes) lixos-tesouros, peças, fragmentos que vão sendo guardados e estocados. Talvez todo artista seja um pouco colecionador de fragmentos físicos e fragmentos idéias, peças ou pedaços que não sendo inteiros precisam da interferência do artista para se tornar arte.
A colagem que já foi tomada pelos dadaístas como uma como uma das formas de negação da arte, pode hoje ser vista como uma forma da arte apropriar-se de um mundo que é o mundo da imagem e da informação fragmentada. Jornais, folders, santinhos em época de eleição, sticks, lambe-lambe, adesivos, outdoors, internet, lixo, entradas de cinema/teatro/parque de diversão/museus?, latinhas de refrigerante,propaganda, a roupa que nos serve e a roupa a que servimos; esses são apenas alguns exemplos de material para a colagem, esses são materiais do mundo em que vivemos e são matéria prima para as colagens.
Como dentro disso tudo escolher o tema, fazer a imagem aparecer, coerente em seu conjunto? Como fazer do lixo do nosso mundo Arte? O que não é completo, o que não tem valor para a maior parte das pessoas pode sim passar pelo “toque de Midas”, mas que trabalho dá esse toque. Claro tudo depende do olhar, o olhar treinado, a angústia e sim do acaso (mas só um pouquinho).



O texto Janela da Alma, Espelho do Mundo, fala do olhar. O olha que certamente tem a ver com minha poética pessoal, que tem a ver com a arte e com a relação do ser humano com o mundo (físico e das idéias) que nos cerca. “As janelas da alma, são espelhos do mundo”[1] diz Marilena Chaui. Sim, nosso olhar é o espelho do que esta fora, e como todo espelho inverte a imagem, distorcendo a realidade. O olhar é físico sim, parte dos olhos e do cérebro, mas é antes de tudo o espelho de nosso mundo, é como entendemos nosso mundo, como acreditamos nesse mundo (pois acreditamos naquilo que podemos ver ou achamos que podemos entender). O olhar é o mundo interno da pessoas e é também sua relação com o mundo externo. É com nosso olhar que abraçamos o mundo. E ao fechar os olhos, quem garante que o mundo não deixa realmente de existir? Talvez as crianças sejam mais sinceras com relação a essa relação com o olhar. “Quando a criança pequenina começa a aprender a brincar de esconde-esconde rimos porque fecha os olhos, certa de que, ao fazê-lo, os outros deixam de vê-la porque ela deixou de vê-los.”[2] Mas será que não agimos assim o tempo todo? “Fechamos nossos olhos” (leia-se fingimos que não existe) para aquilo que não queremos ver (leia-se o que nos incomoda) e seguimos felizes adiante em nossas vidas como se aquelas coisas tivessem realmente deixado de existir?
A arte nos faz olhar muitas coisas que “não queremos ver” e por isso tantas vezes nos incomoda, mas principalmente para o artista, a arte nos faz entrar em contato com esse olhar que mostra e esconde e por isso angustia. Falamos tanto em “treinar o olhar” par a arte, para a estética. O que é esse treino além de nos forçarmos a enxergar o que antes não enxergávamos por descuido, proteção ou incompetência?
No trabalho com a colagem fui obrigada a rever, a olhar de novo a minha poética, o meu trabalho anterior e lidar com a angústia de uma linguagem que não é a minha (ou talvez seja mas eu não queira por preguiça de me adaptar). Tive que reaprender a olhar e entender que tudo era possível dentro dessa nova (na verdade velha) conhecida ou reconhecida, a colagem.
Quando olho para meu trabalho, vejo algo que é meu e algo que não é mais. “No campo psicanalítico, Freud cita Groddeck quando diz que sou governado por forças contra as quais não posso praticamente nada; sou vivido, não vivo. O indivíduo é um que conhece e também um outro que não conhece e do qual nada pode saber.”[3]
Claro todos temos coisas e momentos em que não nos reconhecemos, mas o que isso significa? O que significa olhar-se e não conhecer-se ou reconhecer-se? O que vemos, o que nos olha? Quem somos quando tentamos olhar a nós mesmos? São todas perguntas humanas, que sem resposta para mim parecem ter mais importância.
Ao trabalhar nesse projeto com o corpo humano (e sua alma) e com colagem, posso me perguntar como fui parar ali dentro. Com partes do meu corpo copiadas e recortadas e repetidas e recolocadas e coladas. E junto com isso as texturas que me vestem, ou me envolvem, os fios. Eu sou fio também, sou eu ali recortada, são elementos da indústria têxtil brasileira (ou será chinesa?) desfeitos, cortados e rasgados, rearranjados e colados, copiados. Tudo isso para falar de mim e de você, para o meu olhar e para o seu também, especialmente para os esquilos.

[1] NOVAES, A. O Olhar. SP: Cia das Letras, 1988. Artigo: Janela da Alma, Espelho do Mundo de Marilena Chaui. Pg 34.
[2] NOVAES, A. O Olhar. SP: Cia das Letras, 1988. Artigo: Janela da Alma, Espelho do Mundo de Marilena Chaui. Pg 32
[3] NOVAES, A. O Olhar. SP: Cia das Letras, 1988. Artigo: Olhar-Louco de Fábio Landa.

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